sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

A missa da sexta-feira

Estudando no colégio toda primeira sexta-feira do mês éramos levadas em bandos por uma irmã até a capela do colégio para assistir uma missa. Devíamos todas confessar e comungar, disso dependia a salvação de nossas pobres almas católicas, e portando deveríamos ir para o colégio em jejum.

A missa era mais comprida que as demais, pelo que me lembro, e ficávamos mais de uma hora e meia num senta-levanta-ajoelha e cantando hinos, recitando ladainhas, com o estômago rangendo e esfregando nas costelas de tanta fome.

A certa altura já ansiávamos por botar alguma coisa na boca, nem que fosse uma hóstia, transubstanciada no corpo de Cristo. Qualquer coisa servia, e já que estávamos ali pra isso mesmo...

Pois que nessa manhã em particular já nos preparávamos para nos enfileirar, contritas e de cabeça baixa rumo ao altar para aplacar um pouco a fome de nosso corpo e de nossa alma (segundo as irmãs) com a hóstia duplamente bendita, quando a Elisa foi escorregando, escorregando e estatelou-se no chão. Caiu como um saco de batatas, com um estrondo que ecoou pela capela silenciosa.

Um momento de paralisia e terror e logo duas freiras correram a acudí-la, mas qual, ela nem se mexia. Aquilo era novidade e nos entreolhamos por entre as rendas dos véus, mas logo uma freira nos fez sinal que nos apressássemos a entrar na fila da comunhão e cuidássemos de nossa alma, deixando que elas se encarregariam do corpo da colega que literalmente jazia no chão frio de piso encerado.

Como sempre acontecia em ocasiões como essa a Elisa foi levada para casa pelos pais e nós ficamos ardendo de curiosidade à espera de notícias. Que vieram apenas dois dias depois, quando ela finalmente foi liberada para voltar às aulas.

O tombo sensacional ocorrera porque ela estava em jejum, desmaiara de fome. Mas isso não tirou para nós o brilho da ocasião. Em nossos momentos de folga imitávamos o tombo colossal. Em casa eu tentava cair durinha como ela, mas infelizmente nunca consegui dominar perfeitamente essa arte de cair como um pedaço de pau estatelando-me no chão.

Algumas colegas aperfeiçoaram essa arte e seguiram praticando-a, com mais ou menos talento teatral, ora momentos antes de provas para as quais não haviam estudado, ora em situações delicadas ou difíceis. Seja como for, dali pra frente nossa classe ganhou um colorido especial com as alunas especializadas nessa fina maneira de "sair de cena", para desespero das freiras e gáudio das colegas presentes, que só não aplaudiam para não avacalhar com a performance.

Tudo seguia assim sempre igual, vez por outra com uma de nossas talentosas aspirantes a atrizes esborrachando-se no chão, quando nossa querida diretora veio certa manhã substituir uma professora durante uma prova. Poucos minutos antes de iniciar-se o pavoroso evento ouvimos um ruidoso baque e vimos nossa colega Tânia esborrachar-se no piso, como vez por outra vinha acontecendo.

A freira aproximou-se dela que jazia, imóvel. Nem um músculo se mexia, quase não respirava. A freira a cutucou com o pé, abaixou-se e tomou-lhe o pulso e depois, dirigindo-se a uma das semi-internas, pediu em alto e bom som:

- Corra até a lavanderia e peça à irmã Teresa uma brasa. Quando a pessoa desmaia não há nada melhor do que encostar-lhe uma brasa ao umbigo para que acorde.

Ficou provado que a medicação era de fato eficiente, pois não houve nem necessidade de sua aplicação, bastando apenas mencioná-la que a aluna voltou a si imediatamente. O remédio foi de fato tão eficiente que a cura foi completa e total, espantosa mesmo. Nunca mais ninguém sofreu desmaios em nossa classe.

(por Zailda Mendes)

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