Eu devia ter lá pelos cinco anos de idade e conta minha tia que eu tinha aprontado uma "arte", daquelas que criança não faz por maldade, é o natural delas, mas que os adultos vão logo fazendo tempestade em copo dágua. Não que eu fosse um anjo, nunca fui santa, era o que se costumava chamar no meu tempo "levada da breca".
Meu pai sempre perdoou todas as traquinagens dos filhos (principalmente das filhas) e quando minha irmã mais nova abria a boca a chorar numa manha que não tinha mais fim, suspirava, compreensivo:
- Ah, essa menina é tão sensível!
E as tias todas podiam esquecer as ganas de nos tacar puxões de orelha e croques que sonhavam em nos aplicar. Pelo menos na presença de meu pai, pois pra ele tudo o que eu aprontava nada mais era que demonstração da minha criatividade. Se eu abria um buraco no chão com a colher do faqueiro novo e enterrava a colher pra não ter que lavá-la (e isso confesso aqui, hoje, que fiz muitas vezes), olha que menina criativa! Tantas e tantas colheres sumiram até que fomos pegos, eu e meu primo Kico, bem no auge de uma de nossas saídas criativas pra evitar trabalho duro que levamos uma bela surra de minha avó. Com ela criatividade infantil se curava no chicote. E com ela nem meu pai retrucava.
Pois numa fase criativa dessas, conta minha tia que aprontei uma das boas, infelizmente no momento a memória não me permite ser mais específica como talvez mais aprouvesse ao gosto dos leitores, e ela então chamou-me ao seu quarto e começou aquele senhor sermão:
- Mas muito bonito! Como é que você pode fazer uma coisa dessas? Bla-bla-bla... Papai do Céu vai ficar muito triste com você...
E ela jogava todas as já manjadas chantagens emocionais, para as quais sempre demonstrou incomparável talento e eu, ali, firme, nem um tremorzinho pra demonstrar arrependimento.
- A titia faz tudo por você e você apronta uma dessas. Estou muito decepcionada com você!
A essa altura conta a titia que sempre fazia tudo por mim que eu desatei num choro sentido, desses de soluçar. Animada com o resultado do falatório todo, ela perguntou:
- Ah, então se arrependeu da coisa que fez e agora está chorando? Quer pedir desculpas?
- Não - conta a titia que eu respondi, entre amargos soluços - é que eu não sei o que é "decepcionada".
(por Zailda Mendes)
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