sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Crime e castigo

Companheiro infantil de travessuras, o primo sempre acatava as tresloucadas propostas de artes pueris mais ou menos sem consequências. Fosse atear fogo ao pano de prato sujo de leite derramado na cozinha ao simular “guerra nas estrelas”, fosse enterrar as colheres usadas para cavar “pocinho” no quintal. O primo era um companheiro para todas as horas de artes e traquinagens, nunca colocando em dúvida a astúcia da prima, pouca coisa mais velha, que nascera com uma mente pervertida e descambada para o mal-feito, escolada na arte de tapar o sol com a peneira, sempre planejando uma arte torta para encobrir artes menores. E – via de regra – redundando em desastres mais ou menos vultosos, que por sua vez careciam de alguma ideia luminosa e digna do espírito de porco herdado de família para escamoteá-los dos olhos severos da avó.

A arte pirotécnica no pano de prato da avó necessitava ser feita sem deixar vestígios, nada melhor do que realizá-la dentro do fogãozinho de lenha da avó, que ficava no quintal. O primo – co-autor das desgraças de família – vem lá com uma garrafa de álcool para acabar de uma vez com o tal pano em velocidade espantosa. Naturalmente que a ideia só surgiu depois que a prima já havia ateado fogo ao pano, o que provocou uma explosão e em segundos primo e prima olhavam de boca aberta TODAS as roupas do varal incendiadas.

Mais que depressa, corre o primo a arrancar as labaredas denunciadoras da corda e acaba queimando a mão. Grita de dor e a prima tapa-lhe a boca: não vá acordar a vó, que dorme tranquila seu cochilo da tarde, alheia aos perigos da infância sadia com quintal no interior de São Paulo.

Vassouras à mão, tratam os dois de varrer toda a lambança e ensaiar uma cara de santo do pau oco quando a vó, ao recolher a roupa, perguntar:

- Eu não estendi a toalha do Zé nesse varal?

Ninguém sabe, ninguém viu. A velha avó está ficando caduca, dirão o tio e a tia mais tarde, com olhar penalizado.

Zailda Coirano

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