segunda-feira, 5 de maio de 2008

Claustrofobia

Eu sempre fui "metida", de nariz empinado, muito consciente de minhas característica pró e contra. De humilde eu não tinha nada, em relação às minhas colegas de colégio, muito mais bem-nascidas e criadas em berço de ouro.

Para mim sua superioridade em termos monetários nunca me acenou com superioridade intelectual e nem lhes garantia nenhum tipo de concessão ou consideração especial, além dos que já lhes eram conferidos pelas freiras do colégio.

Lembro-me que a madre ia à nossa classe e comentava:

- O pai da Fulaninha doou uma novilha para nossa quermesse! Uma novilha! - e afagando ternamente os cabelos da colega que sorria, orgulhosa, encerrava - Diga a seu pai que nós todas do colégio (e lançava um olhar ameaçador por cima de nossas cabeças, no caso de por elas rondar a idéia de contestar nossa participação em tão solene e babado agradecimento) agradecemos do fundo de nosso coração.

Agradecimento assim tão explícito, solene e teatral sempre me causou engulhos e cresci deplorando esse tipo de atitude de reverência ao dinheiro. Mas comigo não tinha nada disso, não. Fosse qual fosse o poder aquisitivo do pai da colega, polpuda como fosse sua conta bancária, o tratamento que eu dispensava a ela variava de acordo com a simpatia que eu sentia ou com a admiração ou desprezo que suas virtudes ou falhas de caráter me produziam.

E assim - metida a besta - fui crescendo naquele meio. Ignorada por umas, aceita por outras e ainda odiada por outras tantas, eu nunca dei bola pra torcida. Não era "sheer-leader" nem nada, então elas que guardassem suas simpatias e antipatias para corroê-las quando botassem a cabeça de longos fios loiros, lavada com xampu
pago a preço de ouro, em seus fofos travesseiros de plumas importadas.

Vai que um dia fui ao banheiro e lá estavam alguns desses "desafetos" que me olharam de banda assim que entrei. Indiferente à torcida contrária, desfilei de nariz empinado até o toalete (ou "casinha", termo mais ameno do qual fazíamos uso no colégio) e antes de sair (ou tentar) ouvi umas risadinhas e logo depois as danadas retiraram-se às carreiras.

Era o final do recreio e éramos as últimas a freqüentar a "casinha", de forma que quando saíram fiquei só. E a porta não abria. Haviam me trancado por fora, as inconseqüentes. Eu me esforçava para abrir a porta, que nem esboçava uma reaçãozinha que fosse.

Claro que eu não daria a elas o prazer de gritar ou chorar, implorando para que me libertassem, mesmo porque eu sabia que não se contentariam com menos do que súplicas desesperadas e promessas de que jamais as afrontaria de novo.

Para não me humilhar fazendo o que esperavam que eu fizesse, passei lá o restante do tempo que para o final das aulas, até que uma boa alma que resolveu ir ao banheiro antes de ir pra casa, por fim me libertou.

Durante o tempo que passei trancada tive taquicardia, suores frios, tonturas, medo e ódio absolutos. Claro que depois dei um jeito de me vingar dessa covardia, mas por mais que tenha feito as marcas ficaram. Nunca mais me senti confortável fechada em qualquer lugar de onde houvesse a mais remota possibilidade de não poder sair quando eu bem quisesse. A claustrofobia foi a marca que ficou, e que carrego até hoje, legado de minhas colegas inconscientes, de contas bancárias enormes, mas com zero de bom-senso.

(zailda mendes)

3 comentários:

  1. Amiga,também tenho claustrofobia.
    Não sei a razão!!!
    Sabia que hoje é chique ter claustrofobia e a Doença do Pânico?(Risos)
    Tenho as duas,mas a segunda sei o motivo.
    E aprendi conviver com as duas sem culpa.
    Amando ler os textos e ainda nem dormi.
    Bjsss...

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  2. Não sei se é chique mas às vezes atrapalha. Quando eu estudava e o professor fechava a porta da sala de aula eu começava a passar mal, não conseguia prestar atenção à aula, só ficava pensando em fugir dali. Algumas vezes foi o que fiz, daí minha "fama" de aluna terrível. Só que naquela época ninguém falava em claustrofobia ou ia a psicólogos, só fui descobrir o que tinha já na idade adulta. Hoje aprendi a lidar com isso e manter sob controle.
    Obrigada pela visita e pelo comentário!

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  3. História interessante, e ainda por cima contem uma crítica a uma coisa muito comum, mas que ninguém parece ver! Gostei muito!

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