domingo, 25 de maio de 2008

Colando na prova de Geografia

Sempre fui uma aluna um pouco acima da média estudando ou não, e mesmo não sendo a primeira da classe sempre tive um desempenho acima da média. Normalmente era quieta e observadora, tinha uma boa memória, e essas características facilitavam meus estudos de forma que não tinha que varar a noite estudando como algumas colegas mais desatentas.

Mas Geografia era um terror, aqueles mapas não entravam em minha cabeça e até hoje confesso minha falta de habilidade para lê-los. Meu senso de direção fica entre sofrível e péssimo, consegui uma vez me perder em Irapuru, que é um tisco de cidade, que não tem nem 10 quadras de circunferência. Pra dizer a verdade, consigo me perder até no quarteirão de casa, imagine o estrago se me botam um mapa na mão...

Pois era dia de prova de Geografia, minhas notas sempre beirando o vermelho e eu estava lá matutando com minhas apreensões durante o recreio quando vi um ajuntamento de cabeças loiras num canto do páteo. Muita cabeça loira junta dá problema - pensei. E fui lá ver do que se tratava.

As garotas estavam com uma coleçãozinha interessante de papéis e canetas, umas anotando dados enquanto outras febrilmente os recitavam.

- O que vocês estão fazendo? perguntei inocentemente, já sabendo de antemão que boa coisa não poderia ser.

- Cola - respondeu lacônica e sucintamente a Telma, a líder da turminha de desandadas.

- Como assim "cola"?

- A gente anota tudo o que vai cair na prova, anota na perna, em papéizinhos, no estojo, dentro da caneta... depois na hora da prova e gente copia e pronto!

Naquele momento fez-se a luz diante de mim! Nada mais do terror das notas baixas, nada mais das broncas e cortes de mesada! Aquilo pra mim pareceu o supra-sumo da praticidade e vinha de encontro às minhas mais profundas necessidades do momento. Passei o resto do recreio anotando dados febrilmente, ora na perna, nos braços, em pedaços de papel. E aos poucos ia aperfeiçoando técnicas "colativas", enfiando pequenos pedaços de papel nas dobras da saia, prendendo-os no anel... O sinal que anunciava o fim do recreio pôs termo à nossa expedição geográfica ao sub-mundo da desonestidade e partimos, confiantes, para o teste mensal.

Sentada diante da prova eu via minhas colegas em movimentos suspeitos e olhares lânguidos e disfarçados para seus apetrechos de auto-ajuda. Tentei também usar os meus, mas as mãos tremiam quando peguei o primeiro papel. Droga! Caiu no chão, tentei espichar o pé, alcancei-o e coloquei-o embaixo do sapato. Quem sabe a resposta estivesse em meu braço? Mas não havia jeito, a freira me olhava fixamente, talvez suspeitando de meus movimentos anteriores. Tentei permanecer calma e baixei a cabeça, decidi ignorá-la.

Fui levantando a saia aos poucos, tentando vislumbrar alguma coisa útil naquele emaranhado de frases desencontradas, aos poucos compilando dados que estavam rascunhados em minha pele. A freira abandonou seu posto atrás da mesa e começou a dirigir-se para o meu lugar. Frio no estômago. Tentei disfarçar e colocar a saia no lugar mas temi que o movimento despertasse sua atenção.

A freira vinha em passos lentos mas eficientes em minha direção, senti que um tremor tomava conta de todo meu corpo, os dentes começaram a bater uns nos outros, comecei a suar frio. Enquanto a freira passava por entre as carteiras não tirava os olhos de mim, que à essa altura já tremia mais que vara verde, já estava quase tendo um ataque de epilepsia...

A freira parou ao meu lado. Eu estava ligeiramente arqueada para a frente, a saia um tanto levantada, as pernas ligeiramente abertas para facilitar a leitura por entre elas. A freira deu-me um "croque' na cabeça e resmungou:

- Senta direito. Isso lá é jeito de uma menina sentar?

Virou as costas e voltou a seu lugar. Nas veias, o sangue começava a correr em seu ritmo normal novamente. As mãos lentamente conseguiam segurar a caneta e minha cabeça começava a funcionar de novo. Um suspiro de alívio saiu de meus lábios e endireitei-me na carteira. Olhei a prova à minha frente, mais da metade sem fazer. Nesse momento tomei uma firme decisão. Levantei-me, fui até a mesa e coloquei minha prova sobre ela. Depois saí da sala, aliviada.

Sabia que a nota não seria lá aquelas coisas, talvez eu perdesse a mesada por um mês, quem sabe... Havia muitas incertezas em minha mente nesse momento, mas de uma única coisa eu tinha certeza clara, plena, total: colas não eram para mim. Fosse qual fosse o resultado de meus testes e provas dali pra frente, eles seriam sempre o resultado que eu conseguira honestamente, essa vida de desonestidade decididamente não era para mim.

(zailda coirano)

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Claustrofobia

Eu sempre fui "metida", de nariz empinado, muito consciente de minhas característica pró e contra. De humilde eu não tinha nada, em relação às minhas colegas de colégio, muito mais bem-nascidas e criadas em berço de ouro.

Para mim sua superioridade em termos monetários nunca me acenou com superioridade intelectual e nem lhes garantia nenhum tipo de concessão ou consideração especial, além dos que já lhes eram conferidos pelas freiras do colégio.

Lembro-me que a madre ia à nossa classe e comentava:

- O pai da Fulaninha doou uma novilha para nossa quermesse! Uma novilha! - e afagando ternamente os cabelos da colega que sorria, orgulhosa, encerrava - Diga a seu pai que nós todas do colégio (e lançava um olhar ameaçador por cima de nossas cabeças, no caso de por elas rondar a idéia de contestar nossa participação em tão solene e babado agradecimento) agradecemos do fundo de nosso coração.

Agradecimento assim tão explícito, solene e teatral sempre me causou engulhos e cresci deplorando esse tipo de atitude de reverência ao dinheiro. Mas comigo não tinha nada disso, não. Fosse qual fosse o poder aquisitivo do pai da colega, polpuda como fosse sua conta bancária, o tratamento que eu dispensava a ela variava de acordo com a simpatia que eu sentia ou com a admiração ou desprezo que suas virtudes ou falhas de caráter me produziam.

E assim - metida a besta - fui crescendo naquele meio. Ignorada por umas, aceita por outras e ainda odiada por outras tantas, eu nunca dei bola pra torcida. Não era "sheer-leader" nem nada, então elas que guardassem suas simpatias e antipatias para corroê-las quando botassem a cabeça de longos fios loiros, lavada com xampu
pago a preço de ouro, em seus fofos travesseiros de plumas importadas.

Vai que um dia fui ao banheiro e lá estavam alguns desses "desafetos" que me olharam de banda assim que entrei. Indiferente à torcida contrária, desfilei de nariz empinado até o toalete (ou "casinha", termo mais ameno do qual fazíamos uso no colégio) e antes de sair (ou tentar) ouvi umas risadinhas e logo depois as danadas retiraram-se às carreiras.

Era o final do recreio e éramos as últimas a freqüentar a "casinha", de forma que quando saíram fiquei só. E a porta não abria. Haviam me trancado por fora, as inconseqüentes. Eu me esforçava para abrir a porta, que nem esboçava uma reaçãozinha que fosse.

Claro que eu não daria a elas o prazer de gritar ou chorar, implorando para que me libertassem, mesmo porque eu sabia que não se contentariam com menos do que súplicas desesperadas e promessas de que jamais as afrontaria de novo.

Para não me humilhar fazendo o que esperavam que eu fizesse, passei lá o restante do tempo que para o final das aulas, até que uma boa alma que resolveu ir ao banheiro antes de ir pra casa, por fim me libertou.

Durante o tempo que passei trancada tive taquicardia, suores frios, tonturas, medo e ódio absolutos. Claro que depois dei um jeito de me vingar dessa covardia, mas por mais que tenha feito as marcas ficaram. Nunca mais me senti confortável fechada em qualquer lugar de onde houvesse a mais remota possibilidade de não poder sair quando eu bem quisesse. A claustrofobia foi a marca que ficou, e que carrego até hoje, legado de minhas colegas inconscientes, de contas bancárias enormes, mas com zero de bom-senso.

(zailda mendes)

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