quinta-feira, 7 de abril de 2011

Bullying

escadariaQuem é que não sofreu bullying quando estava na escola, lá pelos idos de 60, 70? Sofrer a gente sofria, só que não sabia que sofria e nem o que era. A gente só sabia que incomodava, às vezes até doía. Mas a gente levava aquilo como sendo parte do processo de aprendizado.

Hoje fala-se muito em bullying, parece até que foi inventado nos anos 2.000, mas qual! É das tais coisas que existem desde que o mundo é mundo. Antigamente atendia por outro nome menos pomposo e sem o sotaque americano, não era bullying coisa nenhuma, era “frescura”.

Sendo da raça negra, de origem humilde, com “cabelo ruim” e ainda por cima metida a besta é mais-do-que-óbvio que já fui alvo de tudo quanto é tipo de zombaria, maldadezinhas pequenas e outras enormemente grandes, que se fossem lá nos States justificariam invasão da escola anos mais tarde com fuzilamento de culpados e inocentes. Mas isso lá, aqui a gente tem que dar o “jeitinho brasileiro”.

Pois que além de todos esses motivos citados aí em cima havia ainda mais um – esse imperdoável – e que não podia passar em brancas nuvens. Quando pequena tive pólio – e se não morri foi porque vaso ruim não quebra como me explicou anos mais tarde minha santa e defunta vovozinha, que Deus a tenha – e mesmo tendo aprendido a andar, contrariando os prognósticos de todos aqueles doutores sabichões que me atenderam e trataram, ao subir a escada para a aula matinal em fila indiana e cabeça baixa a perna afetada não subia, a perna boa a arrastava escada acima penosamente e quando chegava quase lá sempre havia uma alma bendita que me dava um esbarrão assim como quem não quer nada, me fazendo voltar aos trambolhões alguns degraus para baixo. Riam elas e ria eu – porque nunca consegui conter o riso ante um bom tombo ou descida catando cavaco fosse minha ou de outros – e lá ia eu arrastando a perna meio morta escada acima enquanto as colegas que não tinham nada melhor pra fazer se dobravam de rir.

Isso durou 4 anos a cada manhã e era mais certo que o repicar do sino à hora da entrada. Mas um dia encheu o saco e resolvi que a brincadeira já tinha dado o que tinha para dar. Ao final da aula, quando as maldosas colegas iam para seus lares encher o bucho com os quitutes ricos de suas mesas lautas eu ficava mais alguns minutos – talvez horas – treinando para subir escada “igual gente”.

Tanto fiz que aprendi a subir como todos os outros mortais, um degrau com cada pé, e até hoje uso esse recurso quando me convém. Não que eu me atreva a subir aos trancos pulando de dois em dois e assim me arriscando a estabacar-me degraus acima ou espichar-me de cara no chão (o que iria fazer minhas maldosas colegas rolarem escada abaixo atrás de mim de tanto rir) mas pra quem era, bacalhau bastava.

E assim foi que a única coisa que minhas gentis colegas faziam melhor que eu – que era subir escada “que nem gente” – e nem disso podiam mais se gabar, e depois de mais de uma ter rolado a escada depois de tentar o golpe antigo da topadinha “sem querer” no alto da escada a brincadeira perdeu a graça.

Claro que devem ter convocado às pressas uma reunião onde chegaram esbaforidas largando lá suas vassouras estacionadas de qualquer jeito à porta do Clube das Bruxas, para mancomunarem uma forma de expor “aquela negrinha metida” ao ridículo de uma forma que a colocasse definitivamente em seu devido lugar. Mas se tem uma coisa que eu nunca soube foi qual é o meu devido lugar.

A escada do colégio deve estar lá no mesmo lugar e eu me pergunto quantas por lá desceram aos trambolhões vítimas da maldade alheia. Tantas outras escadas tive que subir nessa vida, às vezes com muito mais dificuldade. Tantos degraus nessa vida a galgar… Mas quando as forças faltavam, as pernas e o coração fraquejavam e eu já estava a ponto de desistir, lá estavam as cabeças vazias e loiras degraus acima, com um sorriso maroto já apregoando o encontrão e o tombo que iriam causar.

Não só por mim ou por elas, mas por todos os que também teriam que passar pelas madeixas louras e maldosas eu perfilava meus pontos fracos junto a meus pontos fortes e os obrigava a marcharem para cima e avante. E não houve cabeça loura ou cotovelo maldoso que conseguisse me fazer voltar.

blue4

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