sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Os professores do Colégio

Da primeira à quarta séries nossa educação era diligente e cuidadosamente ministrada pelas próprias freiras, que aproveitavam para inserir ensinamentos religiosos em tudo quanto podiam, apesar de algumas de nós nem serem católicas e terem anotado pelos pais em suas cadernetas que não queriam que recebessem educação católica.

Isso era desconsiderado pelas freiras, que inseriam religião sempre que fosse possível e tratavam de eliminar qualquer coisa, mesmo fato científico, que não estivesse de acordo com os ensinamentos da Santa Igreja Católica. Anos mais tarde quando fui estudar em escola estadual, percebi que muita informação me havia sido subtraída por ser considerada subversiva talvez.

Qualquer ensinamento que fosse capaz de nos suscitar pensamentos e reflexões que nos levassem a questionar dogmas, preceitos ou normas da Igreja Católica era simplesmente banido e não tínhamos acesso a ele.

Livros contendo material impróprio (segundo o julgamento delas lá) eram meramente proibidos. Assim livros que são belos representantes da literatura brasileira e portuguesa que hoje são exigidos até para quem vai fazer vestibular, naquela época eram inacessíveis para nós. Quem fosse ao menos suspeito de ter lido, ter recomendado ou mesmo tido um exemplar dos livros banidos nas mãos era severamente punido.

Quando mais tarde fui saber do AI-5 e da censura, a princípio me pareceram coisas naturais, já que fui educada numa instituição que não se dava ao trabalho de rebater críticas, simplesmente as eliminava como impróprias.

Tive problemas na adolescência para escolher meus caminhos e decidir o que era ou não benéfico para mim, acredito que por essa mesma razão. Acostumada a ter um séquito de freiras para decidir por mim, ao sair do colégio e descobrir que dali pra frente eu é que teria que decidir, meu primeiro momento foi de total desorientação.

Da quinta série em diante ainda prosseguiam várias freiras como professoras, mas algumas matérias contavam com pessoas "normais" dando aulas, se bem que sob estrita vigilância das freiras. Ao primeiro sinal de má influência ou desvios da matéria da aula eram sumariamente despedidos e substituídos por outros mais confiáveis.

Nosso contato com o mundo adulto real era portanto bastante restrito, algumas de nós completavam os estudos e entravam para uma faculdade sem saber como se faziam bebês, por exemplo. Imagino que tornavam-se alvo de chacota nas escolas para onde iam. Quando mudei de escola, percebendo o ambiente estranho tratei de ficar de boca fechada e dessa forma consegui passar despercebida, mas outras colegas de infortúnio não tiveram a mesma sorte.

Devido às suas línguas grandes logo deixaram transparecer quem eram e o tamanho de sua ignorância nas "coisas da vida" e suas vidas foram bastante dificultadas e atormentadas pelos colegas de classe. Apesar de ser considerada como boba por algumas freiras e como cínica por outras, de boba e cínica eu nunca tive nada, portanto saí-me muito bem em minha primeira incursão pelo mundo "normal". Tão bem que logo de cara arrumei um namorado, comecei a matar aulas e levei uma bomba. Mas aí eu já estava livre do Colégio.

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domingo, 2 de novembro de 2008

As boas maneiras da futura "fada do lar"

Estudando no colégio tínhamos o privilégio de ter algumas aulas que nenhuma outra escola ministrava, por motivos insuspeitados por nós naquela época. Hoje eu entendo perfeitamente, mas na época a lavagem cerebral ia em estágio tão adiantado e era tão bem sucedida que éramos incapazes de enxergar o que se esfregava em nossos empertigados narizes.

Uma das "matérias" exclusivas de nossa instituição de ensino eram as boas maneiras. Mas eram boas maneiras diferentes, para quando tivéssemos nossos maridos e casa para cuidar. Claro que também éramos instruídas sobre como devíamos nos comportar para conseguirmos esse "prêmio", mas a coisa não parava aí. Segundo nossas orientadoras religiosas e em tudo o mais, depois de conquistar era necessário saber conservar.

Tínhamos um caderno que era escrito por nós mesmas, repleto de anotações que eram ricas em detalhes sobre como deveríamos agir depois de casadas. Sempre esperar o marido com um sorriso e um batonzinho claro na boca. Nunca questioná-lo quanto ao que fazia "lá fora", já que o que importava era o sagrado recesso de nosso lar, ao qual deveria reduzir-se nosso mundinho.

Eram ensinamentos que deveriam orientar nossa vida futura, bobagens apenas, vejo agora, de maior ou menor quilate dependendo de quem ditara aquelas normas de uma santa ignorância colossal e que hoje seriam um insulto a inteligência da mais idiota das criaturas, mas que naqueles anos idos no passado nos pareciam completamente possíveis e até sensatas.

Graças a Deus quando me casei já havia perdido o livro e nem me lembrei de colocar em prática qualquer uma daquelas tolices. Maridos se foram e acredito que mais ainda teriam ido, ou então muito mais depressa se eu seguisse as recomendações de nossas freiras.

Não sei se ainda costumam ensinar coisas assim em colégios de freiras, se ensinam as pobres das moças morrerão todas solteiras porque acho que hoje em dia nem o mais machista dos maridos achará graça em ser casado com um autômato que segue as normas para as quais foi programado, em vez de viver com um ser humano.

Mas no colégio era assim, lembro-me do livrinho que era companheiro de um outro, com capa de napa cortada e decorada por nós mesmas, onde anotávamos as receitas com as quais futuramente encantaríamos e faríamos a delícia de nossos maridos.

Pensando nisso... onde é que foi parar mesmo aquele livro de receitas?

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